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Drenagem pleural – por que selo d’água?

Você indicou para seu paciente, por qualquer motivo que seja, drenagem pleural fechada em selo d’água.

Você tem pleno conhecimento de como ela funciona? Quais os princípios fisiopatológicos envolvidos? Quais os cuidados após drenagem?

 

Vem aprender um pouco com a gente neste artigo!

 

Bases morfofuncionais

A pleura é uma serosa, uma membrana composta de mesotélio que reveste as estruturas da cavidade torácica – pulmão e seu hilo, mediastino, diafragma e parede costal. Como toda serosa, ela possui duas camadas, uma em íntimo contato com as estruturas e outra em contato com a parede da cavidade. Por isso, são chamadas pleura visceral e parietal respectivamente. As pleuras estão em íntimo contato entre si, separadas apenas por um espaço virtual com finíssima quantidade de líquido, apenas para permitir deslizamento entre si e, por conseguinte, das estruturas que elas revestem.

 

O problema é que este espaço virtual pode ser ocupado por conteúdo patológico (ar, transudato/exsudato, sangue, pus). Quando isso ocorre, é necessário realizar algum procedimento para drenar o espaço pleural e restaurar a fisiologia normal. Entre as possibilidades, o que será abordado neste artigo é a toracostomia com drenagem pleural fechada, mais bem conhecida como drenagem pleural em selo d’água.

 

 

A mecânica respiratória

O conteúdo aqui é basicamente Física. Mais especificamente, mecânica da respiração. Ou você achou que nunca iria precisar daquela sua primeira aula de fisiologia ou biofísica respiratória? Se você não lembra, aqui vai o resumo do básico que você precisa saber.

 

Em termos gerais, temos 3 tipos básicos de pressões nas vias aéreas: (1) a pressão no interior dos alvéolos, pressão alveolar – PA, (2) a pressão da cavidade pleural, pressão pleural – PP e (3) a diferença entre estas pressões, a pressão transpulmonar, PTP, onde, matematicamente, PTP = PA – PP.

 

Os valores de pressão são relativos, pois estamos interessados apenas no gradiente, ou seja, nas variações. É a variação das pressões que gera o influxo ou efluxo de ar. Fixamos, por convenção, a pressão atmosférica em 0 cmH2O, pois facilita mencionar as demais pressões pulmonares relativas à pressão atmosférica. Por exemplo, no início da inspiração, a pressão alveolar é igual a pressão atmosférica, 0 cmH2O (não existe gradiente de pressão, logo não existe fluxo de ar).

 

No início de uma inspiração calma, o movimento da musculatura da caixa torácica determina aumento do volume pulmonar e, inversamente, redução das pressões. Isso se traduz em redução da pressão alveolar em cerca de 1 cmH2O. Ou seja, a PA se torna -1 cmH2O em relação à pressão atmosférica. Esse gradiente força o ar a “invadir” as vias aéreas (os fluidos se movem espontaneamente dos pontos de maior pressão para os pontos de menor pressão). Isso é suficiente para “puxar” um volume de cerca de 0,5 L de ar – famoso volume corrente (VC).

Durante a expiração calma, os gradientes são essencialmente invertidos. A pressão alveolar supera a pressão atmosférica em cerca de 1 cmH2O, o que “expulsa” um volume médio de 0,5 L de ar do interior dos alvéolos em direção ao meio externo.

 

E o que acontece com a pressão pleural? Em condições normais, a pressão pleural é de -5 cmH2O, o que determina leve sucção entre seus folhetos. Durante uma inspiração calma, a pressão pleural se torna mais negativa, em torno de -7,5 cmH2O. O processo é inverso na expiração.

 

Do exposto, você pode matematicamente confirmar que o gradiente da pressão transpulmonar varia, em módulo, 1,5 cmH2O no ciclo inspiração-expiração. Essa é a base do funcionamento do selo d’água.

 

 

O selo d’água

Ao drenar o espaço pleural, você não pode simplesmente acoplar o dreno em um sistema de drenagem aberto, pois a pressão negativa da inspiração faria com que os fluidos pleurais retornassem para a cavidade pleural. A solução para isso é “selar” o sistema com uma coluna líquida, onde o dreno fica inserido até 2 cm dentro da coluna líquida, conforme a figura abaixo.

drenagem pleural

A coluna líquida fornece uma pressão de 2 cmH2O contra o sistema. Durante a expiração forçada, fala, tosse etc., o gradiente transpulmonar supera facilmente os 2 cmH2O do sistema, impelindo os fluidos pleurais (ar, transudato/exsudato, sangue etc.) para fora da cavidade, direto para o sistema de drenagem. Por outro lado, durante a inspiração, mesmo uma inspiração profunda, o gradiente está em torno de 1,5 cmH2O a todo momento. Desta forma, por não superar a pressão da coluna de água do selo, não há retorno dos fluidos para a cavidade torácica do paciente.

 

Dessa forma, o selo d’água funciona como uma válvula unidirecional. Favorece o efluxo dos fluidos acumulados no espaço pleural e impede o retorno destes pelo sistema de drenagem. Quando o fluido é ar (pneumotórax drenado p.ex.), ele escapa pelo respiro do sistema para o meio externo. Quando o fluido é líquido (transudato/exsudato, sangue ou pus), o acúmulo do líquido no sistema aumenta a coluna e, consequentemente, a pressão. Isso pode interferir no funcionamento do sistema, pois pode superar o gradiente transpulmonar na expiração e impedir a drenagem destes fluidos.

 

Uma opção é a troca frequente do sistema ou o acoplamento a um novo sistema ligado ao vácuo. Desta forma, o vácuo fornece a pressão negativa suficiente para “sugar” os fluidos da cavidade, mesmo que se acumulem no primeiro frasco. É o contrabalanço ideal. O respiro deste novo sistema determinará a pressão máxima de sucção que você ajustará, baseado na profundidade que ele está inserido. Nas cirurgias cardiotorácicas, em geral, inserimos o respiro até cerca de 20 cm na coluna d’água.

drenagem pleural

 

 

Cuidados após drenagem

Em vista do discutido, alguns cuidados após drenagem são essenciais para não modificarmos os gradientes de pressão dos dispositivos de drenagem.

 

Em primeiro lugar, nunca eleve o dreno ao nível do tórax do paciente. Ideal é manter pelo menos 10 cm abaixo do nível de drenagem. Por quê? O processo de drenagem inicia-se com perfuração da cavidade pleural. O fluido é automaticamente expulso porque seu acúmulo cria uma pressão extra na cavidade pleural, que supera e muito a pressão atmosférica. Logo após, há uma redução abrupta desta pressão extra e o processo de drenagem segue por sifonagem e é mantido pelo gradiente pressórico entre a caixa torácica e o sistema de drenagem.

 

Ao elevar o sistema ao nível do tórax do paciente, você elimina a sifonagem e pode ocorrer retorno do material drenado para a cavidade torácica do paciente, situação altamente indesejada.

 

Em segundo lugar, você não deve clampear o dreno, nem para transporte do paciente. Se houver fístula broncopleural (pneumotórax), o clampeamento impede a saída de ar da cavidade; se o débito da fístula for apreciável, o ar rapidamente se acumula no tórax levando a um pneumotórax hipertensivo. As altas pressões da cavidade pleural reduzem o retorno venoso e interferem no débito sistólico do paciente. Ou seja, sangue não chega e sangue não sai do coração. O resultado é catastrófico – choque obstrutivo e parada cardiorrespiratória. Se for clampear, seja pelo menor tempo possível e rapidamente desfeito ao menor sinal de deterioração clínica (dispneia, cianose, arritmias cardíacas, enfisema subcutâneo etc.).

 

Outro item para se ter cuidado é, durante o transporte, atentar para a extremidade do sistema não ficar fora d’água, o que automaticamente faria desaparecer o selo d’água, podendo o ar entrar na cavidade torácica de maneira retrógrada, causando um pneumotórax ou piorando um pré-existente.

 

Por fim, bastante atenção neste item: nunca conecte o sistema de aspiração direto no frasco de drenagem, sempre utilize um novo frasco. A aspiração direta pode “sugar” as estruturas e, p.ex., fazer rotação de um lobo pulmonar em torno do seu próprio eixo, ocasionando infarto pulmonar, uma iatrogenia potencialmente fatal. Além disso, existe o risco de balanço mediastinal, com desvio das estruturas para o lado da drenagem, além de colabamento das veias cavas e pulmonares. Essa situação pode levar o paciente rapidamente a óbito.

 

Bem, agora que você já sabe como funciona o dreno de tórax em selo d’água e os cuidados após drenagem, em breve faremos um post sobre os passos típicos da técnica cirúrgica para uma drenagem de tórax segura e eficiente.

 

 

Referências do Texto

Laws D, Neville E, Duff J. British Thoracic Society guidelines for the insertion of a chest drain. Thorax 2003;58 (Suppl II):ii53-ii59

Andrade CF, Felicetti JC. Drenagem Torácica. Disponível em https://institutobeatrizyamada.com.br/wp/wp-content/uploads/artigos-iby/Drenagem-Toracica-Cristiano-Feijo-Andrade.pdf

McElnay PJ, Lim E. Modern Techniques to Insert Chest Drains. Thoracic Surgery Clinics, 2017. 27(1), 29-34.

Azambuja MI de, Castro Junior MAM de. Drenagem Torácica. Vittalle – Revista de Ciências da Saúde v. 33, n. 1 (2021) 147-158.

Neal, M et al. Guidelines for the Insertion and Management of Chest Drains. Doncaster and Bassetlaw Hospitals, 2009.

Guyton AC, Hall JE. Ventilação pulmonar in Tratado de Fisiologia Médica. Tradução da 12ª Edição. Elsevier, 2011.

 

 

 

 

Por Diego Vitor Barbosa Fernandes
Médico – UFPB
Cirurgião Geral – HG de Caxias do Sul
MR Cirurgia Cardiovascular – Instituto de Cardiologia do RS

 

 

 

 

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