Sabemos que nos últimos anos diversos estudos importantes tem sido publicados e recentemente tivemos mais um para a lista. A semaglutida, um dos medicamentos mais comentados no momento, parece apresentar mais um efeito interessantíssimo. Foi algo tão revolucionário que sua publicação estampou uma das revistas médicas mais importantes da atualidade: o New England Journal of Medicine (NEJM).
Estamos falando sobre o estudo FLOW, que avaliou os efeitos da semaglutida em desfechos renais em indivíduos com diabetes. Mas antes, mas fazer uma breve revisão sobre o que já temos atualmente para proteção renal nesses pacientes.
Texto escrito por: Leonardo Tavares endocrinologista com título de especialista pela SBEM (ex-medcoffer) e atualmente fellow em endocrinologia na FMUSP.
Semaglutida e as doenças renais
Sabemos que a doença renal crônica afeta grande parte da população mundial e uma das causas mais frequentes é a doença renal diabética. Os guidelines e posicionamentos sugerem a dosagem de microalbuminúria ou relação Albuminúria/creatinúria e creatinina sérica como forma de screening da doença e na última década tivemos mudanças radicais na forma de conduzir estes pacientes.
A primeira droga com desfechos importantes foram os iSGLT2 pelos estudos desenhados para indivíduos com ou sem diabetes (EMPA-KIDNEY, CREDENCE e DAPA-CKD), após evidências iniciais em análises de desfechos secundários observados em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (EMPA-REG, CANVAS e DECLARE-TIMI). Pouco depois tivemos a Finerenona, também demonstrando melhora de desfechos (FIDELIO).
A bola da vez ficou com os agonistas do receptor de GLP-1, utilizados atualmente para tratamento do diabetes e obesidade. Eles apresentam um bom perfil de segurança e tolerabilidade (por mais que na prática os eventos adversos leves sejam frequentes). Tal classe medicamentosa já comprovou-se como capaz de reduzir o risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) em pessoas com DM2 e doença cardiovascular já previamente estabelecida.
Estudo FLOW
O estudo foi desenhado por meio de um ensaio clínico randomizado, duplo cego, placebo controlado, multicêntrico com duração de 3,4 anos, que foi interrompido precocemente devido a presença de benefícios claros favorecendo o grupo semaglutida.
Pacientes foram randomizados em semaglutida 1mg/semana vs. placebo. Houve obrigatoriedade de ser adulto, portador de DM2 (com HbA1c < 10%) e doença renal crônica: TFG entre 50 e 75 mL/min com albuminúria maior que 300 mg/g ou TFG entre 25 e 50 mL/min com albuminúria maior que 100 mg/g; que já estavam em uso de iECA ou BRA na dose máxima tolerada.
O endpoint primário do estudo foi a avaliação do tempo para o surgimento de um primeiro evento relacionado a falência renal (necessidade de diálise, transplante renal ou TFG < 15 mL/min), queda > 50% na TFG basal ou morte por causas renais ou cardiovasculares.
Os resultados foram realmente impactantes com o uso da medicação (mais uma vez). A semaglutida foi responsável pela redução de 24% dos eventos, quando comparada ao grupo placebo. Sem contar alguns desfechos secundários bem interessantes (velocidade de progressão da doença renal crônica foi menor no grupo semaglutida com uma queda na taxa de filtração glomerular de 1,16 ml/min/ano menor, quando comparada ao placebo; e redução de 20% em mortes por outras causas). Colocamos alguns gráfico a seguir para demonstrar os resultados anteriormente citados:
Conclusão
Não há dúvida que estamos vivenciando história na endocrinologia! Há algumas décadas não tínhamos nenhuma droga capaz de alterar a progressão da doença renal crônica. Já se vão alguns anos com prescrições diárias de IECA e BRA, que aos poucos se juntam aos iSGLT2 e mais recentemente à finerenona.
Muitos tratamentos para pacientes classificados com “diabesidade” já estavam reduzindo progressão de doenças crônicas sem nosso conhecimento “direto”. Sabemos da complexidade do metabolismo humano e da intersecção das doenças endócrino-metabólicas com as demais condições crônicas, e isso precisa ser abordado individualmente com nossos pacientes. Infelizmente o componente custo torna o tratamento ideal inviável para a grande maioria dos pacientes, mas acreditamos que há uma luz no fim do túnel.
A pergunta central diz respeito se os benefícios vistos são efeitos diretos da droga ou se são secundários à perda de peso. Nota-se também que estudos mais recentes já têm demonstrado um benefício cumulativo (se é que podemos dizer assim) de uma associação múltipla de drogas na doença renal crônica, como estamos acostumados no tratamento do DM2, HAS, ICC, dentre outros… Sem dúvidas nosso arsenal está melhorando e se diversificando. Sorte, é claro, dos nossos pacientes.
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