Dia Mundial de Conscientização a Doença Falciforme

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doença falciforme
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No dia 19 de junho, celebramos o Dia Mundial de Conscientização da Doença Falciforme.

O que é a Doença Falciforme?

A Doença Falciforme é um grupo de distúrbios sanguíneos hereditários caracterizados pela presença de hemoglobina S (Hb S) anormal. Essa hemoglobina defeituosa faz com que os glóbulos vermelhos, que normalmente são redondos e flexíveis, se tornem rígidos e em forma de foice (ou “falcizados”) sob certas condições, como baixos níveis de oxigênio. Essa mudança de forma é a raiz dos problemas associados à doença.

Como está o Brasil nos números de casos? 

O Brasil possui uma das maiores populações com Doença Falciforme no mundo, reflexo de sua história e miscigenação. Segundo dados do Ministério da Saúde, a prevalência estimada do gene S na população geral brasileira é de aproximadamente 4% (variando entre 2% e 8%). Entre afrodescendentes, essa taxa é ainda maior, atingindo de 6% a 10%.

A distribuição do gene S não é uniforme no país, sendo mais prevalente nas regiões Norte e Nordeste (6% a 10%) e menor nas regiões Sul e Sudeste (2% a 3%).
Estima-se o nascimento de cerca de 3.500 novos casos de Anemia Falciforme (Hb SS) por ano no Brasil, com um total estimado de 25.000 a 30.000 casos vivendo com a doença. Esses números reforçam a importância da DF como um problema de Saúde Pública.

  • Anemia: o baço, órgão responsável por reciclar as hemácias, logo detecta as versões falcizadas e as destrói, reduzindo o número de hemácias circulantes no sangue e podendo deixar a pessoa descorada.
  • Icterícia: a pele da pessoa fica amarelada. Isso acontece pois, quando as hemácias são destruídas pelo baço, a degradação do grupo heme leva à liberação de bilirrubina em excesso, de forma que sua metabolização e excreção são insuficientes e ela se acumula na pele, deixando-a amarelada.
  • Crises de Dor: como as hemácias alteradas não navegam tão bem pelo sangue, certos tecidos podem receber menos oxigênio, o que dificulta que eles produzam energia. Isso danifica as células locais e gera dor intensa, muitas vezes na forma de crises desencadeadas por algum fator estressor (como frio extremo, desidratação ou uma infecção). Uma manifestação frequente é a chamada síndrome torácica aguda, uma intensa dor no peito causada pela obstrução de vasos sanguíneos dos pulmões.
  • Crise do Sequestro Esplênico: o termo “esplênico” diz respeito ao baço, órgão já mencionado. Em pacientes falciformes, o baço fica sobrecarregado ao tentar reciclar as hemácias alteradas, gerando aumento progressivo do seu tamanho e retenção do sangue em seu interior. É como se literalmente o baço estivesse “sequestrando” o sangue. Com isso, menos sangue circula pelo corpo, e a pessoa pode entrar em choque (situação muito grave e potencialmente fatal em que não há sangue suficiente chegando aos tecidos).
  • Insuficiência Renal: as hemácias alteradas não conseguem passar por vasos sanguíneos mais finos, e muitas vezes os obstruem. Isso pode ocorrer nos rins, prejudicando a sua função de filtrar o sangue. Se o paciente não receber tratamento adequado, seus rins podem deixar de funcionar com o passar do tempo, levando à necessidade de realizar sessões de hemodiálise.

Qual a Fisiopatologia das Manifestações Clínicas? 

Podemos caracterizar a DF como uma doença inflamatória crônica permeada de episódios agudos clinicamente controláveis. A forma e rigidez dos glóbulos vermelhos falcizados dificultam sua passagem pelos pequenos vasos sanguíneos, levando a obstruções, isquemia e danos aos tecidos e órgãos. Essa oclusão vascular é a base da “crise vaso-oclusiva”, a manifestação mais característica e dolorosa da doença.

Ilustração da obstrução de vasos devido ao formato falciforme do glóbulo vermelho. Fonte: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/dist%C3%BArbios-do-sangue/anemia/anemia-falciforme 

Outras complicações graves e frequentes incluem a Síndrome Torácica Aguda (STA), que é uma das principais causas de óbito em adolescentes e adultos jovens, e o Acidente Vascular Cerebral (AVC). O sequestro esplênico, especialmente em crianças pequenas, também é uma emergência que pode ser fatal se não reconhecida e tratada prontamente. Essas complicações destacam a complexidade da doença e a necessidade de vigilância constante.

Quais são as  Estratégias de Tratamento?

A história do manejo da Doença Falciforme no Brasil tem evoluído significativamente, impulsionada por reivindicações sociais e políticas públicas. Um marco fundamental foi a inclusão da triagem para hemoglobinopatias no Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) em 2001, por meio da Portaria nº 822/01.

Em 2001, mediante a Portaria no 822/01 do Ministério da Saúde, foi criado o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), incluindo a triagem para as hemoglobinopatias.

O diagnóstico precoce através do teste do pezinho e a pronta instituição de medidas profiláticas, como vacinação e uso de penicilina profilática, foram essenciais para reduzir a mortalidade infantil nos primeiros anos de vida. A educação de pais e cuidadores para reconhecer sinais precoces de complicações, como o sequestro esplênico, também desempenha um papel vital.

O tratamento da DF é multidisciplinar e focado na prevenção de complicações e no manejo das crises agudas. A introdução da hidroxiureia representou um grande avanço, impactando positivamente a qualidade de vida dos pacientes ao reduzir a frequência de crises vaso-oclusivas, hospitalizações e episódios de STA e, possivelmente, eventos neurológicos.

As transfusões de hemácias são um recurso terapêutico crucial, especialmente para prevenir ou tratar complicações graves como o AVC. Estudos como o STOP I (1998) demonstraram a eficácia da transfusão regular na redução do risco de primeiro AVC em crianças de alto risco, e o STOP II (2005) reforçou a necessidade de manter o regime transfusional indefinidamente neste grupo.

  1. “O estudo STOP I (1998) possibilitou a identificação de crianças com maior chance de evento cerebral agudo e reduziu a ocorrência de AVC de 10% ao ano para menos de 1% ao ano.”
  2. O estudo STOP II demonstrou que não é seguro parar as transfusões em crianças com elevado risco para AVC, concluindo, portanto, que as transfusões devem ser mantidas indefinidamente neste grupo de pacientes.”
Exemplo de transfusão de hemácia para tratamento da Doença Falciforme. Fonte: https://pin.it/EepCF3eh1 

No entanto, a transfusão crônica acarreta o risco de sobrecarga de ferro, uma complicação que pode levar a danos cardíacos e hepáticos. A quelação de ferro, com o uso de medicamentos como o deferasirox (aprovado no Brasil em 2006), torna-se, portanto, uma parte integral do tratamento para pacientes em regime transfusional regular.

Mais recentemente, o transplante alogênico de células-tronco periféricas emerge como a única opção terapêutica com potencial de cura, sendo mais indicado para pacientes com doença grave nos primeiros anos de vida e que possuem um doador compatível.

A Importância da Atenção Integral

A Portaria nº 1.391, de 16 de agosto de 2005, instituiu no âmbito do SUS as diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias. Essa política busca garantir acesso amplo e igualitário à saúde, desde a triagem neonatal até a prevenção e tratamento de complicações, através de centros de referência especializados capazes de oferecer atendimento global, multidisciplinar e multiprofissional.

Garantir essa atenção integral é fundamental para aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida das pessoas com Doença Falciforme no Brasil. Lembre que a conscientização, a educação e o acesso a serviços de saúde de qualidade são pilares essenciais na jornada de quem vive com essa condição.

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