

Ascite é o acúmulo anormal de líquido dentro da cavidade peritoneal, localizada no abdômen. Essa condição representa uma das complicações mais frequentes da cirrose hepática, sendo um sinal importante de doença hepática avançada.
O aparecimento de ascite indica alterações no funcionamento do fígado e pode levar a desconforto abdominal, inchaço e risco aumentado de infecções e outras complicações, sendo fundamental o diagnóstico e tratamento adequados.
Fisiopatologia e classificação da ascite
A ascite ocorre principalmente devido à hipertensão portal, geralmente causada por cirrose hepática. O aumento da pressão nas veias porta leva à transudação de líquido para a cavidade peritoneal. Adicionalmente, a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, retenção de sódio e água e hipoalbuminemia contribuem para o acúmulo de líquido, tornando a formação da ascite um processo multifatorial.
Podemos classificar a ascite pelo volume acumulado:
- grau 1 (leve ou subclínica), perceptível apenas por ultrassonografia;
- grau 2 (moderada), clinicamente detectável por distensão abdominal moderada;
- grau 3 (volumosa ou tensa), caracterizada por distensão abdominal importante com desconforto ou comprometimento respiratório.
Também podemos classificar pela análise do líquido, com a ascite podendo ser transudato, geralmente com baixa concentração de proteínas e gradiente de albumina soro-ascite (GASA) ≥1,1 g/dL, associado à hipertensão portal; ou exsudato, com proteínas elevadas e GASA <1,1 g/dL, frequentemente ligado a causas infecciosas, neoplásicas ou inflamatórias.
Clinicamente, a ascite pode ser dividida em não complicada (responde ao tratamento), refratária (persistente apesar das medidas terapêuticas) e complicada, que engloba condições como a peritonite bacteriana espontânea, caracterizada pela infecção do líquido ascítico, podendo evoluir com instabilidade clínica e necessidade de abordagem urgente.
Causas e fatores de risco da ascite
As causas principais, tempo médio de evolução e breves descrições são:
1. Cirrose hepática
- É a causa mais frequente de ascite (aprox. 80% dos casos). Ocorre devido à hipertensão portal causada por fibrose e cicatrização do fígado.
- Tempo médio de evolução: Meses a anos (ascite geralmente aparece em fases avançadas da cirrose).
2. Neoplasias (Câncer)
- Tumores abdominais ou metastáticos (especialmente do fígado, ovário, estômago e pâncreas) podem causar ascite devido à invasão de vasos linfáticos ou peritoneais.
- Tempo médio de evolução: Semanas a meses, dependendo do tumor e sua agressividade.
3. Insuficiência cardíaca congestiva
- Ocorre por aumento da pressão nas veias hepáticas, dificultando o retorno venoso e causando extravasamento de líquido para o abdome.
- Tempo médio de evolução: Semanas a meses, tipicamente em casos avançados.
4. Tuberculose peritoneal
- Infecção do peritônio por Mycobacterium tuberculosis, levando à inflamação e acúmulo de líquido.
- Tempo médio de evolução: Semanas a meses, normalmente curso subagudo/crônico.
5. Síndrome nefrótica
- Doença renal caracterizada por perda de proteína pela urina, resultando em diminuição da pressão oncótica e formação de ascite.
- Tempo médio de evolução: Semanas a meses.
6. Pancreatite
- Inflamação do pâncreas pode causar ascite rica em enzimas pancreáticas devido à extravasão dessas substâncias.
- Tempo médio de evolução: Dias a semanas (em episódios agudos).
7. Doenças do peritônio (ex: carcinomatose, peritonite)
- Inflamações ou infiltrações malignas do peritônio podem provocar acúmulo de líquido.
- Tempo médio de evolução: Variável, geralmente semanas a meses.
Os fatores de risco englobam:
Imunossupressão/infecção por HIV: Predispõe a infecções como a tuberculose peritoneal.
Consumo excessivo de álcool: Principal fator para a cirrose hepática, contribuindo para a formação de ascite.
Hepatites virais (B e C): Infecções crônicas favorecem lesão hepática progressiva, culminando em cirrose.
Obesidade: Predispõe à esteatose hepática, aumentando risco de cirrose e ascite.
Diabetes Mellitus: Associado à doença hepática gordurosa não alcoólica e risco aumentado de cirrose.
Históricos de câncer abdominal/pélvico: Maior probabilidade de carcinomatose peritoneal.
Insuficiência cardíaca prévia: Pacientes com doença cardíaca crônica podem desenvolver ascite secundária à congestão.
Doença renal crônica/síndrome nefrótica: Aumentam a retenção de líquidos e o risco de formação de ascite.
Sintomas da ascite
Confira abaixo os principais sintomas da ascite:
1. Aumento do Abdome
O sintoma mais característico da ascite é o inchaço abdominal progressivo. O abdome fica distendido e pode aumentar rapidamente de volume dependendo da quantidade de líquido acumulado.
2. Sensação de Peso ou Desconforto Abdominal
O paciente relata uma sensação de peso ou pressão na barriga, que pode limitar movimentos e causar desconforto até mesmo em repouso.
3. Dor Abdominal
Geralmente é uma dor vaga e leve causada pelo estiramento da cápsula abdominal, mas pode se tornar intensa se houver inflamação ou infecção do líquido (peritonite bacteriana espontânea).
4. Fadiga e Cansaço
O excesso de líquido pode provocar sensação de fadiga, mal-estar e fraqueza generalizada.
5. Falta de Ar (Dispneia)
Em casos mais graves, o acúmulo de líquido empurra o diafragma para cima, dificultando a respiração, especialmente ao deitar.
6. Perda de Apetite e Saciedade Precoce
O aumento do volume abdominal comprime o estômago, levando a sensação de estômago cheio rapidamente, mesmo comendo pequenas quantidades de alimento.
7. Edema em Membros Inferiores
Em alguns casos, há acúmulo de líquido também nas pernas e tornozelos, resultando em inchaço (edema periférico).
8. Náuseas e Indigestão
O desconforto abdominal provocado pelo líquido pode prejudicar a digestão, causando náuseas frequentes.
Critérios diagnósticos da ascite
O diagnóstico da ascite pode ser realizado por meio de avaliação clínica e confirmado com exames complementares.
- Diagnóstico Clínico
- Exame físico: O diagnóstico clínico é geralmente possível em casos de ascite moderada a volumosa. Os principais sinais incluem:
- Distensão abdominal progressiva
- Macicez móvel à percussão (um dos sinais mais sensíveis)
- Sinal do Piparote (onda líquida)
- Aumento do volume abdominal
- Exames Complementares
Apesar de o diagnóstico clínico ser possível em ascites moderadas a grandes, os exames complementares são fundamentais para confirmar o diagnóstico, pesquisar a causa e guiar o tratamento:
Ultrassonografia abdominal:
- Elevada sensibilidade, detectando volumes pequenos de líquido (acima de 100 mL);
- Permite avaliar fígado, baço, vasos e possíveis massas.
Paracentese diagnóstica:
- Indicação: todo paciente com ascite de causa não previamente estabelecida ou com sinais de infecção/descompensação.
- Permite análise laboratorial do líquido ascítico com:
- Proteína total
- Contagem de células (leucócitos e polimorfonucleares)
- Dosagem de albumina, para cálculo do gradiente sérico-ascítico de albumina (GASA)
- Cultura e citologia, se indicado
Exames laboratoriais complementares:
Avaliação da função hepática, renal e possíveis etiologias, como dosagens de bilirrubina, creatinina, função renal/hepática, exames virais, etc
Como identificar a ascite no exame físico?
Os principais sinais de ascite no exame físico são:
- Abdome globoso: aumento do volume abdominal, mais evidente em posição supina.
- Macicez móvel: ao percutir o abdome, encontra-se macicez nas laterais, que muda de posição quando o paciente vira de lado (“macicez que se desloca”).
- Sinal do Piparote (ou Onda Líquida): ao dar um leve tapa de um lado do abdome, sente-se uma onda no lado oposto, especialmente se alguém pressionar levemente a linha média para bloquear a transmissão superficial.
- Desaparecimento da matidez hepática: pode dificultar a delimitação do fígado devido ao líquido livre.
- Sinal da Compressibilidade Abdominal: o abdome oferece sensação “elástica” à palpação.
O que fazer em casos de dúvidas da presença de ascite?
Em casos de dúvida quanto à presença de ascite, recomenda-se complementar o exame físico com a realização de uma ultrassonografia abdominal, pois é o método mais sensível e específico para detectar até pequenas quantidades de líquido livre na cavidade abdominal. Se necessário, pode-se realizar uma punção diagnóstica guiada por imagem para confirmar e caracterizar o líquido.
Como avaliar o líquido ascítico?
A análise do líquido ascítico é fundamental para o diagnóstico diferencial das causas de ascite. O principal parâmetro para essa avaliação é o Gradiente de Albumina Soro-Ascite (GASA).
Para calcular o GASA, é utilizada a seguinte fórmula:
GASA = albumina sérica – albumina do líquido ascítico
Assim, deve-se seguir os seguintes passos:
- Realize, preferencialmente no mesmo dia, a coleta de sangue (para dosagem de albumina sérica) e a coleta do líquido ascítico por paracenteses.
- Solicite a dosagem de albumina em ambos os líquidos.
- Subtraia o valor da albumina do líquido ascítico do valor da albumina sérica.
Exemplo:
- Albumina sérica: 3,5 g/dL
- Albumina ascítica: 2,0 g/dL
GASA = 3,5 − 2,0 = 1,5 g/dL
A interpretação do GASA permite diferenciar se a ascite está relacionada à hipertensão portal:
GASA (g/dL) | Interpretação |
≥ 1,1 | Sugere hipertensão portal (ex: cirrose, trombose portal, insuficiência cardíaca congestiva) |
< 1,1 | Sugere outras causas (ex: carcinomatose peritoneal, tuberculose, pancreatite) |
É possível viver com ascite?
Sim, é possível viver com ascite, mas a presença desse sintoma indica que existe algum problema de saúde, geralmente relacionado ao fígado, coração ou outros órgãos. A qualidade de vida pode ser afetada dependendo da gravidade, mas muitas pessoas convivem com o quadro sob acompanhamento médico.
A ascite, em si, não é considerada uma doença, mas um sintoma de outra condição. Ela pode ter controle ou melhora dependendo da causa. Em alguns casos, é possível a reversão total se a doença de base for tratada com sucesso (como em casos de hepatite tratável ou insuficiência cardíaca controlada). Porém, em doenças crônicas graves, como cirrose avançada, muitas vezes a ascite só pode ser controlada, não totalmente curada.
Recomendações contra ascite
A presença de ascite geralmente indica que já existe uma enfermidade instaurada, principalmente doenças crônicas do fígado ou problemas cardíacos. Não é possível prevenir diretamente a ascite, pois seu aparecimento depende do desenvolvimento de doenças pré-existentes. O foco deve ser na prevenção dessas doenças de base e no controle do seu agravamento.
Embora não seja possível prevenir a ascite de forma direta, algumas medidas podem ser adotadas para reduzir o risco de desenvolver as doenças que levam à ascite ou evitar o agravamento do quadro, caso já tenha sido diagnosticado:
- Evitar o consumo excessivo de álcool: O abuso de álcool é uma das principais causas de cirrose hepática, principal fator de risco para ascite.
- Manter uma alimentação equilibrada: Dieta saudável, rica em frutas, verduras, legumes, alimentos integrais e pobre em gorduras saturadas e processados, ajuda a proteger o fígado e o coração.
- Vacinar-se contra hepatites virais: Hepatites B e C podem evoluir para cirrose e ascite. Manter a vacinação em dia e praticar sexo seguro são essenciais.
- Evitar uso de drogas ilícitas: Algumas drogas podem causar lesões hepáticas graves.
- Manter acompanhamento médico regular: Especialmente se há fatores de risco como obesidade, diabetes, hipertensão arterial ou histórico de doenças hepáticas.
- Controlar doenças crônicas: Diabetes, hipertensão e doenças cardíacas devem ser mantidas sob controle para evitar complicações.
- Não compartilhar objetos cortantes: Como agulhas ou lâminas, para evitar contaminação por hepatites.
- Reduzir o consumo de sal: O excesso de sal agrava a retenção de líquidos, especialmente em quem já tem predisposição a doenças cardíacas ou hepáticas.
Tratamento para ascite
O tratamento da ascite deve ser sempre orientado e acompanhado por um médico, pois envolve avaliação das causas, gravidade do quadro e riscos associados. O especialista mais indicado para tratar a ascite depende da causa subjacente, mas geralmente são:
- Hepatologista: Médico especializado em doenças do fígado. É o principal profissional quando a ascite é causada por cirrose ou outras doenças hepáticas.
- Gastroenterologista: Especialista do aparelho digestivo, também muito capacitado para conduzir o tratamento da ascite, especialmente quando envolvem causas gastrointestinais ou hepáticas.
- Clínico geral ou médico de família: Pode identificar o problema, iniciar investigação e encaminhar para o especialista adequado.
- Oncologista: Quando a ascite está relacionada a câncer.
- Cardiologista: Se a ascite é provocada por insuficiência cardíaca.
O tratamento pode incluir:
- Controle da ingestão de sódio;
- Uso de diuréticos (sob orientação médica);
- Punção abdominal (paracentese) para remoção do líquido, em casos mais graves;
- Tratamento da doença de base (cirrose, insuficiência cardíaca, câncer, etc.).
Complicações da ascite
Entre as principais complicações destacam-se:
1. Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE)
Infecção do líquido ascítico sem foco infeccioso intra-abdominal identificável.
Sinais e Sintomas:
- Febre;
- Dor abdominal;
- Encefalopatia hepática;
- Deterioração clínica abrupta.
Diagnóstico:
- Paracentese com contagem de polimorfonucleares (PMN) ≥ 250 células/mm³
- Cultura positiva do líquido ascítico (mas pode ser negativa)
Impacto no Prognóstico:
- Alta mortalidade: Letalidade hospitalar pode atingir até 30% por episódio
- Recorrência: Cerca de 70% dos sobreviventes terão novo episódio em 1 ano
- Descompensação: Indica progressão para cirrose descompensada
2. Síndrome Hepatorrenal (SHR)
Insuficiência renal aguda funcional em pacientes com cirrose, sem outras causas aparentes para lesão renal.
Etiologia:
Vasoconstrição renal, secundária à intensa vasodilatação esplâncnica e ativação de sistemas vasoconstritores (renina-angiotensina, sistema simpático, vasopressina).
Tipos:
- Tipo 1: Instalação rápida, pior prognóstico;
- Tipo 2: Progressão mais lenta.
Impacto no Prognóstico:
- Muito grave: Mortalidade superior a 80% em semanas se não tratado (especialmente tipo 1);
- Indica insuficiência hepática avançada;
- O transplante hepático é frequentemente a única cura definitiva.
3. Hérnia Umbilical
Características:
O aumento da pressão intra-abdominal favorece o surgimento de hérnias (especialmente umbilicais).
Complicações:
- Estrangulamento herniário;
- Ruptura espontânea com fístula de líquido ascítico (rara, mas grave).
Impacto no Prognóstico:
- Eleva risco de infecção e de peritonite secundária;
- Pode levar à instabilidade hemodinâmica e sepse se houver ruptura.
4. Hidrotórax Hepático
Acúmulo de líquido ascítico na cavidade pleural, geralmente do lado direito, em pacientes com cirrose e ascite.
Quadro Clínico:
- Dispneia progressiva;
- Dificuldade ao controle com medidas convencionais.
Impacto no Prognóstico:
- Indica doença hepática avançada;
- Eleva risco de infecções pleurais e insuficiência respiratória;
- Associado à sobrevida reduzida.
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