Imagine o seguinte cenário: a mãe de um lactente de 3 meses em aleitamento materno exclusivo chega em seu consultório, aflita, dizendo que seu filho apresenta regurgitações constantes ao longo do dia há mais de 2 semanas. Quando você realiza o exame físico, observa bom estado geral e adequado ganho de peso e estatura. O que falar, então, para a mãe? Como diferenciar um refluxo gastroesofágico fisiológico do patológico?
Estudos recentes mostram uma prevalência de 26,9% dos sintomas de doença do refluxo gastroesofágico em crianças, o que indica a necessidade de se saber quais são os sintomas mais comuns do quadro e, principalmente, a diferença entre um quadro fisiológico e um patológico.
Nos primeiros anos de vida, a criança possui 4 fatores principais que favorecem o aparecimento do refluxo gastroesofágico à forma fisiológica:
- Hipotensão do esfíncter esofágico inferior
- Imaturidade do sistema digestório
- Grande oferta de líquidos
- Postura inadequada do bebê após a mamada
Tais fatores desencadeiam regurgitações não acompanhadas por tosse, hematêmese, aspiração, apneia ou baixo ganho de peso, com 3 episódios por dia durante 3 semanas. Assim, o diagnóstico é essencialmente clínico!
Em contrapartida, a doença do refluxo gastroesofágico é a “versão” patológica do quadro, em que a clínica consiste em vômitos, baixo ganho de peso, irritabilidade, alterações na alimentação, dor abdominal nas crianças mais novas e pirose, azia, dor abdominal e torácica nas mais velhas. Deve-se ficar atento também às possíveis complicações: asma, otite média aguda e broncoespasmo.
Nesse cenário, o diagnóstico é feito por:
- Endoscopia digestiva alta: analisa a anatomia e a mucosa
- pHmetria: mede a quantidade de ácido que sai do estômago para o esôfago
- EED: há alguma alteração anatômica?
É importante lembrar que não é feita cintilografia, por não contribuir na investigação, e a manometria é realizada apenas em crianças mais velhas, uma vez que a agitação e o choro podem alterar a pressão intraluminal.
Outras diferenças na faixa etária infantil entre o refluxo gastroesofágico patológico e fisiológico diz respeito ao tratamento.
Na doença do refluxo, a intervenção consiste em:
- Alterações na dieta e elevação de decúbito após a alimentação
- Prescrever medicamentos:
- Inibidores de bomba de próton (omeprazol) para suprimir a secreção ácida
- Pró-cinéticos (domperidona) a fim de aumentar a pressão do esfíncter esofágico inferior, impedindo o retorno da substância ácida.
Já a forma fisiológica envolve:
- Mudança de dieta, reduzindo a oferta exagerada de alimentos
- Alteração de comportamento, orientando os pais sobre a melhor postura para mamada e, inclusive, recomendando-lhes que a criança permaneça em pé após a alimentação.
- Os medicamentos são adicionados apenas se houver muito desconforto.
Com essas dicas você tem tranquilidade em conversar com a mãe do caso acima que era um refluxo fisiológico e orientar a conduta.
Referências bibliográficas:
- https://journals.lww.com/jpgn/fulltext/2019/06000/prevalence_of_gastroesophageal_reflux_disease.12.aspx
- Approach to the infant or child with nausea and vomiting – Author:Carlo Di Lorenzo, MD
- UptoDate
- Manometry studies in children: minimum standards for procedures
Por Luana Perrone Camilo
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