Surto de febre maculosa em Campinas: o que fazer?
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Bora entender um pouquinho melhor sobre o que é que está rolando ali na região de Campinas: o tal do surto de febre maculosa. O Ministério da Saúde confirmou, até o momento, a ocorrência de três óbitos pela doença, referentes a um surto no município.
Até o fim da manhã desta quarta-feira (14/06), a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo aguardava a confirmação laboratorial de um possível quarto óbito pela doença.
Só para se ter uma ideia: em 2023, o estado de São Paulo registrou 12 casos da doença. Entre eles, quatro evoluíram para cura, seis para óbitos e dois continuam em investigação. Este ano, já se confirmaram 53 casos da doença, dos quais oito resultaram em óbitos no Brasil. Pensando nisso, verifica-se uma maior concentração de casos nas regiões Sudeste e Sul e, de maneira geral, ocorrem de forma esporádica.
Mas o que é a febre maculosa? Como ela se transmite?
Essa é uma doença do espectro das ditas riquetisioses. São bactérias safadas, tecnicamente com uma estrutura semelhante a Gram-negativas, mas parasitas intracelulares obrigatórias.
Legal….interessante….mas e daí? Bom, clinicamente as riquetsioses caracterizam-se por serem enfermidades febris agudas com evolução variável, podendo manifestar-se em quadros leves ou formas graves com manifestações ictero-hemorrágicas. A determinação da evolução ocorre pela patogenicidade da espécie de Rickettsia envolvida, pela rapidez na instituição de tratamento adequado e por fatores inerentes ao indivíduo.
As únicas doenças transmitidas por carrapatos com ocorrência confirmada de casos humanos no Brasil são as riquetsioses causadas pela Rickettsia rickettsii e pela Rickettsia parkeri. Esta última ocorre na Mata Atlântica e é mais indolente, não sendo associada a quadros graves, sem relatos de óbito até então. A causa da febre maculosa brasileira se deve pela Rickettsia rickettsii, que é a meliante envolvida neste surto (com taxas de letalidade passam de 50%).
A transmissão acontece através da picada do carrapato (principalmente o carrapato-estrela) infectado. Para que isso ocorra, é necessário que o carrapato esteja aderido à pele por seis a dez horas. A partir daí, o período da infecção até manifestação dos primeiros sintomas variar de 2 a 14 dias (média de 7 dias). A bactéria vai se disseminar tanto por via hematogênica quanto por via linfática e invadir diversos órgãos, gerando uma intensa liberação de prostaglandinas, tempestade inflamatória seguida de CIVD (coagulação intra-vascular disseminada) e falência de múltiplos órgãos e sistemas.
Fisiopatologicamente, temos aumento da permeabilidade vascular, hipoalbuminemia, edema, derrames cavitários, edema pulmonar, hipovolemia, alterações hemodinâmicas, distúrbios da coagulação, hemorragias mucosas e cutâneas, micro-oclusões vasculares e lesões teciduais difusas (incluindo-se necrose de extremidades), miocardite, pneumonite, lesões glomerulares e tubulares renais, necrose teciduais.
Tá….beleza, mas o que que eu faço se estive na região do surto?
Não criemos pânico, mas estejamos atentos. A clínica inicial não é específica, apresentando sinais e sintomas comuns a outras doenças, como febre (habitualmente elevada e de início súbito, tal qual a dengue por exemplo), cefaleia holocraniana de forte intensidade, mialgia generalizada, artralgia, prostração, náusea e vômitos. A febre maculosa pode variar desde uma síndrome febril inespecífica, à uma síndrome febril exantemática e até uma ictero-hemorrágica.
Aliás, uma grande dica, além do fator de risco epidemiológico (ter estado em área de risco), é o surgimento do exantema: costuma surgir após o terceiro dia de evolução, sendo comumente observado a partir do quinto dia após o início dos sintomas. Clinicamente, a apresentação típica do exantema é de padrão maculopapular, não pruriginoso, com lesões variando entre 1 e 5 mm, acometendo inicialmente as extremidades (punhos e tornozelos, palmas das mãos e planta dos pés).
Com a progressão da doença se observa a disseminação centrípeta do exantema, passando então a acometer braços e pernas e, posteriormente, tronco e face. Mas atenção: ele não é obrigatório. Inclusive muitas vezes formas graves e fulminantes evoluem antes mesmo do surgimento das manchas na pele.
Então se esteve na região nos últimos 15 dias preste bem atenção a absolutamente qualquer um desses sintomas. Caso venha a apresentar, procure atendimento médico imediato e refira a exposição.
Febre Maculosa: Como é feito o diagnóstico
Para investigação de casos suspeitos de FMB e outras riquetsioses, preconiza-se a realização da sorologia, com detecção de anticorpos IgG. Mas em sendo uma sorologia, lembre-se que ela depende da resposta do sistema imune, e isso leva um tempo para acontecer, não é nos primeiros dias (no geral, passa a ser positivo a partir do sexto dia de doença).
Ué, mas IgG não é de doença antiga, não seria IgM a indicativa de doença recente?
Sim e não. No caso da febre maculosa, o uso do IgM é muito ruim. Logo, fazemos uma primeira avaliação com IgG e repetimos o exame em 14 dias. O diagnóstico é fechado pela elevação dos títulos de anticorpos da classe IgG – maior ou igual a quatro vezes – nas amostras, ou se alguma tiver um título realmente muito alto (> 1/128).
Febre Maculosa: Tratamento
Em decorrência dessa demora para se fazer o diagnóstico laboratorial, o tratamento tem que ser instituído na suspeita clínica: quadro febril acima descrito + exposição de risco. Vale mencionar que, não raramente, o parasitismo por carrapatos pode passar despercebido pelo paciente e, portanto, a ausência do relato de exposição/picada prévia por carrapato não exclui o risco de infecção.
Desse modo, o tratamento é feito eminentemente com doxiciclina ou cloranfenicol. A doxiciclina é um antibiótico que dá diversas manifestações desagradáveis, principalmente intolerância gastro-inestinal (e,pasme, pode desencadear quadro psiquiátricos também) e ficou conhecida no passado por problemas odontológicos em crianças.
Mas ela é sim a droga de escolha para o tratamento de pacientes pediátricos, independentemente da faixa etária, com suspeita de infecção pela R. rickettsii por aparentemente ser melhor do que o cloranfenicol. Esta caiu bem em desuso na prática clínica dado um efeito colateral famoso: a aplasia de medula óssea. Mas, em contrapartida, a sua indicação é maior para gestantes e pode ser de forma endovenosa, doxiciclina tem que ser via oral.
O tratamento costuma ser mantido por no mínimo 7 dias, mas o mais preconizado é que seja por 2-3 dias após a regressão da febre, o que costuma ocorrer após 48hs de antibiótico.
Mas não é melhor então tomar antibiótico de uma vez direto e reto, ao invés de esperar os sintomas aparecerem?
Não muito. Como mencionado anteriormente, para que haja transmissão é necessário que o carrapato fique aderido á pele por várias horas e os antibióticos tem efeitos colaterais relevantes. Fique tranquilo, atento, e se necessário procure ajuda médica. Mas tratamento profilático / preemptivo (antes da manifestação dos sintomas) não está indicado não.
E agora já sabe o que fazer em relação ao surto de febre maculosa em Campinas? A Dra. Jaqueline também preparou uma aula sobre a doença e como o assunto pode ser abordado nas provas!
https://youtu.be/geiGlJj6KS0