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quinta-feira, 16 maio
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Apendicite na gestante: diagnóstico e tratamento

As particularidades da gestação assustam qualquer clínico. E qualquer cirurgião. Epidemiologicamente falando, as gestantes estão sujeitas às mesmas doenças cirúrgicas e nas mesmas proporções que a população em geral. Logo, é importante estar atento a certas nuances para lidar com estes casos com a mesma tranquilidade dos casos ordinários. É isso que vamos abordar neste artigo.

 

Quadro Clínico de Apendicite Aguda na Gestante

Não difere muito do quadro habitual. E digo mais: o quadro clínico pode ser facilmente confundido com alterações próprias da gestação. Dor abdominal, náuseas, vômitos são achados típicos da apendicite aguda e da gestação por si só. Mesmo uma leucocitose leve é observada na gestação e pode ser fator confundidor.

 

O quadro tipicamente começa com dor no quadrante inferior direito (QID) como estamos acostumados a ver. O crescimento do útero desloca as vísceras abdominais cranialmente e, portanto, é esperado que haja deslocamento da dor (teoricamente). Entretanto, estudos recentes mostram que este deslocamento pode nem ser significativo e que a dor em QID ainda está presente como primeiro sintoma de apendicite na gestação, em qualquer trimestre, em mais de 80% dos casos4,13.

 

Febre não é esperada na gestante com apendicite aguda. Sua presença pode denunciar um quadro de apendicite complicada e é um grande divisor de águas entre os diagnósticos diferenciais. No exame físico, pode ou não haver sinais de peritonite localizada. A presença do sinal de Alder pode ajudar na diferenciação da dor (palpa-se o local de maior intensidade da dor com a paciente em posição supina e localiza-se novamente este ponto máximo com ela em decúbito lateral esquerdo – o deslocamento da dor fala a favor de processo uterino, enquanto a dor em local fixo fala a favor de apendicite)13.

 

Leucocitose não ajuda a diferenciar, mas a presença de bastonetes e outras formas imaturas nos ajuda a ligar o alerta vermelho. A suspeição para apendicite aguda na gestante deve ser baixa! O atraso no diagnóstico aumenta em 10% a chance de perfuração do apêndice. As consequências na gestante são muito graves para se correr o risco4.

 

Algumas séries estimam o risco de mortalidade fetal na apendicite aguda em 1,5% no caso de apendicite não complicada. A presença da perfuração do apêndice eleva este risco para cifras tão altas quanto 25-35%! Trabalho de parto pré-termo e parto prematuro ocorrem em até 40% dos casos com apendicite perfurada.4,12,13

As particularidades da gestação assustam qualquer clínico. E qualquer cirurgião. Epidemiologicamente falando, as gestantes estão sujeitas às mesmas doenças cirúrgicas e nas mesmas proporções que a população em geral. Logo, é importante estar atento a certas nuances para lidar com estes casos com a mesma tranquilidade dos casos ordinários. É isso que vamos abordar neste artigo.

 

Quadro Clínico de Apendicite Aguda na Gestante.

 

Não difere muito do quadro habitual. E digo mais: o quadro clínico pode ser facilmente confundido com alterações próprias da gestação. Dor abdominal, náuseas, vômitos são achados típicos da apendicite aguda e da gestação por si só. Mesmo uma leucocitose leve é observada na gestação e pode ser fator confundidor.

 

 

O quadro tipicamente começa com dor no quadrante inferior direito (QID) como estamos acostumados a ver. O crescimento do útero desloca as vísceras abdominais cranialmente e, portanto, é esperado que haja deslocamento da dor (teoricamente). Entretanto, estudos recentes mostram que este deslocamento pode nem ser significativo e que a dor em QID ainda está presente como primeiro sintoma de apendicite na gestação, em qualquer trimestre, em mais de 80% dos casos4,13.

 

Febre não é esperada na gestante com apendicite aguda. Sua presença pode denunciar um quadro de apendicite complicada e é um grande divisor de águas entre os diagnósticos diferenciais. No exame físico, pode ou não haver sinais de peritonite localizada. A presença do sinal de Alder pode ajudar na diferenciação da dor (palpa-se o local de maior intensidade da dor com a paciente em posição supina e localiza-se novamente este ponto máximo com ela em decúbito lateral esquerdo – o deslocamento da dor fala a favor de processo uterino, enquanto a dor em local fixo fala a favor de apendicite)13.

 

Leucocitose não ajuda a diferenciar, mas a presença de bastonetes e outras formas imaturas nos ajuda a ligar o alerta vermelho. A suspeição para apendicite aguda na gestante deve ser baixa! O atraso no diagnóstico aumenta em 10% a chance de perfuração do apêndice. As consequências na gestante são muito graves para se correr o risco4.

 

Algumas séries estimam o risco de mortalidade fetal na apendicite aguda em 1,5% no caso de apendicite não complicada. A presença da perfuração do apêndice eleva este risco para cifras tão altas quanto 25-35%! Trabalho de parto pré-termo e parto prematuro ocorrem em até 40% dos casos com apendicite perfurada.4,12,13

 

Radiação na gestação

 

Na suspeita de apendicite aguda, os métodos diagnósticos mais comuns são ultrassonografia (USG) e tomografia computadorizada (TC) de abdômen. A USG é um excelente método, mas tem suas limitações: é operador-dependente, a interposição gasosa pode atrapalhar o diagnóstico, bem como a obesidade e localização atípica do apêndice1. Neste contexto, a TC tem um papel primordial – seu grande empecilho na gestante é ser um método diagnóstico baseado em radiação ionizante.

 

O problema da radiação são os efeitos teratogênicos que ela oferece ao feto. Este risco é bem maior no período que envolve a organogênese do embrião, por conta do desenvolvimento fetal. Em termos de dose radioativa, vários estudos já foram publicados sugerindo uma possível dose máxima segura. Um dos mais clássicos, publicados em 1986, sugere que os efeitos sobre o feto são imperceptíveis com doses cumulativas na gestação < 5 rads, o que corresponde a 5 cGy (1 gray [Gy] é quantidade de energia de radiação ionizante absorvida por unidade de massa equivalente a 1 J/kg).2

 

A exposição perinatal à radiação advinda dos métodos radiológicos, portanto, é insignificante em termos práticos3. Na tabela abaixo, adaptada do capítulo específico do Sabiston (cf. [4]), vemos que a estimativa da exposição do feto à radiação com exames de imagem está muito abaixo de 5 cGy.

 

Tipo de Exame Dose em cGy
Radiografia de tórax 2 incidências 0,00007
Radiografia pélvica 0,04
TC crânio < 0,05
TC abdômen 2,60
Enema baritado 3,986

 

Adaptado de Mikami DJ et al.4

 

Concluímos do exposto que o método tomográfico não é proibitivo, principalmente com os atuais protocolos de baixa radiação. Porém, mesmo com esta segurança teórica, é impossível assegurar que não haverá dano fetal estrutural algum (a Medicina é uma ciência de incertezas), logo, é prudente evitar exposição desnecessária do feto à radiação, principalmente no 1º trimestre e início do 2º, onde o risco teratogênico é maior.

 

A preferência, portanto, é por métodos alternativos. Um USG com achados característicos de apendicite confirma o caso. Caso não seja diagnóstico, devido os fatores anteriormente comentados, de maneira alguma USG negativo afasta a possibilidade de apendicite (lembre-se dos riscos de falso-negativo na gestante). Neste caso, uma alternativa é o uso da ressonância magnética (RM). Metanálise recente confirma o excelente papel diagnóstico da RM, com sensibilidade e especificidade > 90% para diagnóstico de apendicite aguda na gestante.5

 

Prescrição perioperatória e antibióticos na gestação

 

Você já diagnosticou o caso. Apendicite aguda é a causa mais comum de abdômen agudo cirúrgico na gestação, ocorre em média 1/1000 gestações6. O uso de antibióticos no pré-operatório para apendicites agudas não complicadas deve cobrir anaeróbios e gram-negativos e, em geral, dose única é o suficiente.

 

Poucos estudos estão disponíveis sobre antibióticos na gestação e perfil de segurança, a maioria recebe classificação B ou C pelo FDA. De maneira geral, as penicilinas, cefalosporinas, clindamicina e metronidazol são considerados seguros para uso na gestante7.

 

Apesar da restrição da dipirona nos EUA e União Europeia, não é difícil achar estudos avaliando seu perfil de segurança na gestação. Não existe recomendação contra a dipirona ou paracetamol como analgésicos na gestação8,9. Anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) não são recomendados na gestação pelo risco de danos renais ao feto, oligodrâmnia, sangramento aumentado no trabalho de parto e impacto hemodinâmico no fechamento precoce do ducto arterioso10.

 

O uso de opioides e derivados (morfina, fentanil, codeína) por curtos períodos é uma opção, mas apenas quando seu uso superar os potenciais malefícios. Lembrando que não existem níveis seguros para opioides. Apesar do risco de defeitos congênitos ser baixo, eles estão associados principalmente à restrição do crescimento fetal e trabalho de parto pré-termo.4

 

Sendo assim, a prescrição antibiótica e analgésica da sua paciente gestante não deve diferir da sua prescrição habitual, com algumas ressalvas, claro. Evitar os AINEs e atentar para o uso mais restrito (mas não proibitivo) dos opioides e derivados.

 

Abordagem cirúrgica – Aberta ou Laparoscópica?

 

Sua paciente está avaliada e prescrita, mas a cirurgia ficou para o 1º horário da manhã (tempo de jejum insuficiente e paciente estável, dá para aguardar algumas horas para a cirurgia). Está na hora de decidir qual o melhor método de abordagem – apendicectomia aberta ou apendicectomia videolaparoscópica?

 

Aqui morou a maior parte da controvérsia devido resultados conflitantes na literatura. A maioria das revisões antes dos anos 2000 favorecia apendicectomia aberta devidos riscos potenciais de trabalho de parto prematuro, parto pré-termo e morte fetal. Atualmente, os resultados das últimas revisões sistemáticas e metanálise não corroboraram os riscos elevados da abordagem VLP outrora mencionados12,13.

 

A preocupação da abordagem laparoscópica é, na maior parte das vezes, relacionada ao risco de lesão uterina, redução do fluxo sanguíneo uterino, efeitos do CO2 do gás insuflado no equilíbrio ácido-básico fetal e visualização do apêndice prejudicada pelo útero gravídico. As vantagens da abordagem laparoscópica já nos são velhas conhecidas e não mudam na gestação.

 

O risco de lesão uterina pode ser minimizado. A experiência da equipe é importantíssima neste cenário. O Collège National des Gynécoloques et Obstétriciens Français (CNGOF) recomenda não utilizar técnica fechada com agulha de Veress para confecção do pneumoperitônio após 15 semanas. A Society of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons (SAGES) atualizou seus guidelines recentemente, recomendando fortemente a abordagem laparoscópica na gestação11.

 

Realizando o acesso à cavidade abdominal ajustando a posição dos trocartes de acordo com a altura uterina, tanto a técnica de Veress como a técnica aberta de Hassan podem ser utilizadas. USG entra aqui como ferramenta útil para orientar a colocação do trocarte, reduzindo acidentes11,12,13.

 

Os efeitos do pneumoperitônio sobre o fluxo uterino é teórico. As modificações gestacionais normais resultam em alterações significativas na pressão intra-abdominal, de forma que a gestante já está adaptada às manobras de Valsalva. Manter as pressões de pneumoperitônio entre 10-15 mmHg é seguro, idealmente < 12 mmHg, desde que haja visualização favorável da cavidade4,11. Recomenda-se também monitorização frequente da CO2 por meio do capnógrafo (EtCO2) e avaliação seriadas dos gases arteriais.

 

Por fim, devemos lembrar que a gestação por si só é um estado de hipercoagulabilidade. O aumento das pressões na cava devido o útero gravídico é agravado pelo pneumoperitônio. Logo, recomenda-se fortemente o uso de compressão pneumática intermitente durante o ato operatório. No pós-operatório, mantém-se o uso de compressão intermitente associada à recomendação de deambulação precoce. Conforme o risco, deve-se prescrever profilaxia antitrombótica com heparina.

 

O risco de perda fetal e trabalho de parto prematuro não é maior somente por causa da abordagem laparoscópica, de tal forma que esta já é aceita como abordagem de escolha no tratamento da apendicite aguda em qualquer cenário e em qualquer trimestre.

 

Não se recomenda tratamento conservador apenas com antibioticoterapia. O tratamento da apendicite aguda na gestante é iminentemente cirúrgico e não há estudos clínicos de qualidade suficiente que permitam tratamento expectante. O risco de peritonite, morte fetal, choque séptico e tromboembolismo e morte materna são altos demais para “pagar para ver”.

 

Take-Home Messages:

 

– Suspeita para apendicite aguda diante de um quadro abdominal na gestante deve ser baixa;

– USG confirma o diagnóstico. Caso haja dúvidas, RM é o exame de escolha. TC pode ser usada, em último caso, nunca como 1ª linha;

– Atraso no diagnóstico aumenta 10% risco de perfuração. Apendicite perfurada aumenta > 5x complicações fetais e maternas.

– Prescrição perioperatória é similiar (antibióticos e analgesia). Evite AINEs e opioides. Não esqueça da profilaxia para TVP no pós-operatório (mecânica ± farmacológica);

– Laparoscopia é segura e hoje é a técnica de escolha.

– Ainda não há suporte para tratamento conservador na apendicite aguda da gestante.

 

Referências do texto

 

[1] Karul M, Berliner C, Keller S, Tsui TY, Yamamura J. Imaging of appendicitis in adults. Rofo. 2014 Jun;186(6):551-8

[2] Brent RL. The effects of embryonic and fetal exposure to X-ray, microwaves, and ultrasound. Clin Obstet Gynecol 1983; 26: 484–510.

[3] Kal HB, Struikmans H: Radiotherapy during pregnancy: Fact of fiction. Lancet Oncol 6:328-333, 2005.

[4] Russo RM, Jurkovich GJ, Farmer DL. Surgery in the pregnant patient in: Sabiston Textbook of surgery: the biological basis of modern surgical practice. 21th Ed. Elsevier, 2022.

[5] Kave M, Parooie F, Salarzaei M. Pregnancy and appendicitis: a systematic review and meta-analysis on the clinical use of MRI in diagnosis of appendicitis in pregnant women. World J Emerg Surg. 2019 Jul 22;14:37.

[6] Wilasrumee C et al. Systematic review and meta-analysis of safety of laparoscopic versus open appendicectomy for suspected appendicitis in pregnancy. Br. J. Surg. 2012; 99:1470-1478.

[7] Bookstaver PB at al. A Review of Antibiotic Use in Pregnancy. Pharmacotherapy: The Journal of Human Pharmacology and Drug Therapy, 2015. 35(11), 1052-1062.

[8] Costa DB, Coelho HLL, Santos DB. Utilização de medicamentos antes e durante a gestação: prevalência e fatores associados. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2017, v. 33, n. 2

[9] Dathe K et al. Metamizole use during first trimester-A prospective observational cohort study on pregnancy outcome. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2017 Oct;26(10):1197-1204.

[10] FDA recommends avoiding use of NSAIDs in pregnancy at 20 weeks or later because they can result in low amniotic fluid: NSAIDs may cause rare kidney problems in unborn babies. Documento assinado pelo FDA, disponível em: www.fda.gov/media/142967/download. Acesso em: 18/01/2022.

[11] Pearl JP et al. SAGES guidelines for the use of laparoscopy during pregnancy. Surgical Endoscopy, 2017. 31(10), 3767-3782.

[12] Frountzas M. et al. Is the laparoscopic approach a safe choice for the management of acute appendicitis in pregnant women? A meta-analysis of observational studies. The Annals of The Royal College of Surgeons of England, 2019; 1–16. [13] Zachariah SK et al. Management of acute abdomen in pregnancy: current perspectives. International Journal of Women’s Health, 2019. V.11, 119–134.

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