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quinta-feira, 16 maio
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Pancreatite aguda – quando usar antibióticos?

Saiba as principais informações sobre a Pancreatite Aguda e quando é recomendado o uso de antibióticos.

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Pancreatite Aguda

A pancreatite aguda é uma das afecções mais prevalentes do aparelho digestivo, com um espectro variado de seu quadro clínico, desde casos leves até casos severos com disfunção de múltiplos órgãos (DMO). Sendo assim, a necrose pancreática é uma complicação temida, podendo ocorrer em até 20% dos casos. Além disso, até 30% das necroses pancreáticas vão infectar e este parece ser o fator determinante no desfecho de uma pancreatite aguda grave, com alta taxa de mortalidade, chegando até 40% em algumas séries.1

 

Dessa forma, o uso de antibióticos na pancreatite aguda ainda é motivo de controvérsia. Isso porque o seu emprego indiscriminado está associado com resistência bacteriana e infecções oportunistas. Porém, diante de necrose pancreática infectada, quadro clínico grave com alta taxa de mortalidade (até 40% em algumas séries2), há indicação formal de antibioticoterapia.

 

Trocando em miúdos, o que a literatura fala sobre antibióticos na pancreatite? Há espaço para antibioticoprofilaxia? A presença de necrose pancreática é suficiente para indicar antibióticos? O que devo esperar para iniciar a terapia? E quais antibióticos posso usar? Vamos discorrer sobre o tema nos parágrafos seguintes.

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Antibioticoprofilaxia na necrose pancreática

Alguns trabalhos no início da década de 1990 levantaram a hipótese de que o uso de antibióticos profiláticos foi capaz de reduzir a incidência de necrose pancreática infectada. Assim, dado que a infecção no contexto de pancreatite aguda é um fator determinante da evolução clínica, os resultados animadores dos estudos contribuíram para a difusão dessa prática.

 

Para exemplificar, um dos pioneiros neste sentido foi o trabalho de Pederzoli e cols., em 1993. Em 2 grupos, foram randomizados 74 pacientes com necrose pancreática documentada, placebo, uso profilático de imipeném IV 500 mg q8h(do latim quaque 8 hora, literalmente, a cada 8 horas), um carbapenêmico3. Os autores demonstraram menos infecção entre o grupo que utilizou antibiótico (12% vs. 30%; p < 0,01), sem diferença significativa na mortalidade.

 

Em seguida, em 1995, Sainio e cols. deram mais força ao papel da profilaxia antibiótica com um estudo publicado no Lancet4. Eles avaliaram 60 pacientes com pancreatite alcoólica que desenvolveram necrose pancreática. Desse modo, constataram que uso de cefuroxima IV 1,5g q8h tanto reduziu complicações infecciosas quanto reduziu mortalidade (p = 0,03), em parte associada à redução de sepse (p = 0,01)2,4.

Pancreatite Aguda: Estudo de Lim e cols

Mais alguns estudos se seguiram reforçando o uso de ATB profilático até que, no início dos anos 2000, os consensos da International Association of Pancreatology (IAP) e da American Pancreatic Association (APA) indicaram uso precoce de antibiótico em casos de necrose pancreática, principalmente com extensão > 30%5.

 

Todavia, os estudos que reforçavam a conduta de iniciar antibióticos profiláticos eram, em sua maioria, simples cego e unicêntrico. Já na década de 2000, novos estudos, desta vez multicêntricos e duplo-cegos, passaram a mostrar resultados conflitantes: o uso de antibióticos profiláticos na presença de necrose pancreática não trazia diferença na incidência de infecção, nem na necessidade de abordagem cirúrgica, tampouco na mortalidade6.

 

Portanto, para resolver a questão, Lim e cols, em 2015, publicaram uma metanálise reunindo os principais trabalhos publicados até então. Utilizando os termos “pancreatitis AND antibiotic AND prophylaxis”, eles selecionaram 370 artigos. Ademais, somente foram incluídos na metanálise estudos randomizados que compararam antibióticos com placebo como profilaxia na redução da incidência de necrose pancreática ou na redução da mortalidade em casos de necrose pancreática grave2.

Ainda sobre o estudo

Apenas 11 estudos foram incluídos na metanálise após a devida aplicação dos critérios de exclusão. Foram envolvidos então 864 pacientes, 451 no braço intervenção com antibióticos profiláticos e 413 no braço placebo. Em 8 dos 11 estudos, os antibióticos (vários esquemas terapêuticos entre beta-lactâmicos, quinolonas e metronidazol) foram dados em < 72h do início dos sintomas. A média de uso foi de 14 dias.2

 

A análise agrupada dos dados do estudo de Lim e cols. não demonstraram haver diferença em relação à incidência de infecção no tecido necrosado pancreático nem redução na mortalidade com o uso profilático de antibióticos. Entretanto, vale lembrar que os estudos foram bem heterogêneos, com diferentes esquemas de antibióticos comparados entre si, sem falar que houve concordância apenas parcial entre o tempo de início da terapia e sua duração, possíveis fatores confundidores na análise.

 

Além disso, acrescento também que os grupos populacionais foram bem heterogêneos em relação à certos dados como idade, gravidade à admissão, etiologia da pancreatite, definição e extensão da necrose pancreática etc. Novos estudos estão por vir e, talvez, vejamos mudança nas diretrizes atuais em relação à pancreatite aguda. No momento, os dados do estudo do Lim e cols. nos permitem concluir que não há suporte na literatura para indicação de antibióticos de forma profilática na pancreatite aguda, mesmo na presença de necrose pancreática.

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Infecção da necrose pancreática – como definir?

A esta altura você deve estar se perguntando quando iniciar antibióticos na pancreatite aguda, principalmente se há presença de necrose pancreática. Como vimos, a necrose em si não é indicação suficiente.

 

Outra coisa que deve ser levada em consideração é que, em geral, os pacientes graves estão internados em regime de terapia intensiva, invadidos (sonda vesical de demora, cateter venoso central, ventilação mecânica, outros dispositivos de monitorização). Desse modo, é difícil discernir se a deterioração clínica neste contexto se deve às complicações da pancreatite ou ao contexto clínico em si. Assim, o diagnóstico precoce da infecção da necrose pancreática deve ser pesquisado ativamente e prontamente estabelecido.

 

Anteriormente, falou-se sobre o boom da profilaxia antibiótica que ocorreu na década de 1990. Concomitante, houve uma verdadeira corrida em busca do “melhor método” para diagnosticar infecção da necrose pancreática, com a punção aspirativa por agulha fina (PAAF) sendo o destaque dos métodos diagnósticos. Apesar disso, estudos que se seguiram trouxeram cada vez mais resultados conflitantes, questionando a necessidade de PAAF para definição de infecção5.

Pancreatite aguda: “Atalho para clínicos e Cirurgiões”

Um estudo holandês muito interessante, publicado em 2014 na Surgery, trouxe um atalho para clínicos e cirurgiões do mundo inteiro. Foi uma análise post hoc multicêntrica envolvendo 639 pacientes com necrose pancreática, dos quais 208 foram submetidos a algum procedimento cirúrgico (necrosectomia aberta ou drenagem percutânea) por suspeita de infecção da necrose pancreática7. Os pacientes foram retrospectivamente divididos em 3 grupos: suspeita clínica (deterioração clínica, elevação de marcadores de inflamação como proteína C reativa), presença de gás em coleções peripancreáticas visualizado na tomografia computadorizada (TC) e os submetidos à PAAF.

 

O diagnóstico de infecção por análise do tecido pancreático após procedimento foi confirmado em 80% do grupo clínico, 94% do grupo com gás na TC e em 88% do grupo com PAAF. Dessa forma, a conclusão dos autores foi que o diagnóstico de infecção da necrose pancreática pode ser feito mediante suspeita clínica e com auxílio da TC. A PAAF pode ser uma alternativa extra para aqueles pacientes em que resta dúvida diagnóstica7.

 

Pois bem, o diagnóstico de infecção da necrose pancreática por vezes pode ser desafiador. Em geral, a infecção vai ocorrer em torno da 2ª semana de evolução, acompanhada de piora clínica8,9. Note que a piora clínica do paciente com pancreatite aguda antes desse período pode se dever unicamente à síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). A presença de gás na TC é praticamente patognomônica da infecção5,7,8,9. Estes dados já autorizam antibioticoterapia empírica, sem necessidade de PAAF para confirmação.

Qual antibiótico usar?

Agora que já defini que vou iniciar antibiótico, qual terapia utilizar? As bactérias mais prevalentes no tecido pancreático necrosado são Escherichia coli, Pseudomonas sp. e anaeróbios1. O uso prévio de antibióticos tem mudado a microbiota bacteriana predominante. Estima-se que até 50% dos casos de infecção de necrose pancreática em pacientes com uso prévio de antibióticos (aqueles profiláticos, lembra?) mostra predominância de gram-positivos no tecido1,11.

 

Estudos farmacológicos que avaliaram a concentração das drogas no tecido pancreático encontraram que as quinolonas, em especial ciprofloxacino/ofloxacino/moxifloxacino possuem concentração sérica comparável com carbapenêmicos como imipeném. Cefotaxima e piperacilina-tazobactamatingiram concentrações levemente inferiores, mas com atividade bactericida suficiente2,10. As drogas acima têm bom espectro para os principais germes gram-positivos e negativos do tecido pancreático necrosado.

 

O metronidazol tem boa penetração no tecido pancreático e boa atividade contra anaeróbios (quase que exclusivamente).

 

Aminoglicosídeos não tem boa penetração no tecido pancreático e, portanto, seu uso de maneira empírica não está indicado10,13.

 

Sendo assim, a maioria dos guidelines em pancreatite aguda recomenda o uso de carbapenêmicos ou a famosa associação de ciprofloxacino e metronidazol como terapia antibiótica empírica para os casos de infecção da necrose pancreática5,13.

 

Uma crescente e mortal complicação é a infecção fúngica, majoritariamente causada por Candida albicans e em menor grau outras espécies de Candida. A infecção fúngica está fortemente associada à uso de antibioticoterapia prévia, nutrição parenteral e, de maneira geral, pacientes críticos com internação prolongada em unidades de terapia intensiva. Por fim, a despeito do mencionado, não há estudos com evidência suficiente que suporte uso de terapia fúngica empírica, devendo, portanto, ser evitada11,12.

Pancreatite aguda:  Take Home Messages

Já que você chegou até aqui, vou deixar um resumo da boa prática antibiótica na pancreatite aguda:

 

1 – Não existe mais indicação de profilaxia antibiótica na pancreatite aguda, mesmo na presença de necrose pancreática.

2 – Antibióticos só estão indicados na suspeita de infecção secundária.

3 – Suspeita-se de infecção secundária nos pacientes evoluindo com deterioração clínica pelo menos após a 1ª semana de evolução. Antes disso, a deterioração pode ser simplesmente pela SIRS. Excluir também infecções do trato urinário, de corrente sanguínea associada à dispositivos ou pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV).

4 – A presença de gás na coleção peripancreática é praticamente patognomônica de infecção da necrose pancreática.

5 – PAAF não é mais necessária para diagnóstico de infecção de necrose pancreática. Reservar para os casos duvidosos.

6 – Na suspeita de infecção do tecido necrosado pancreático, iniciar antibiótico empírico com carbapenêmicos ou associação Cipro-Metro. Tempo de tratamento coberto pela maior parte dos estudos foi de pelo menos 2 semanas.

Referências

[1] Ball CG, Hameed SM, Dixon E, Lillemoe KD. Severe acute pancreatitis for the acute care surgeon. J Trauma Acute Care Surg. 2016 Jun;80(6):1015-22.

 

[2] Lim CL, Lee W, Liew YX, Tang SS, Chlebicki MP, Kwa AL. Role of antibiotic prophylaxis in necrotizing pancreatitis: a meta-analysis. J Gastrointest Surg. 2015 Mar; 19(3):480-91.

 

[3] Pederzoli P, Bassi C, Vesentini S. A Randomized Multicenter Clinical Trial of Antibiotic Prophylaxis of Septic Complications in Acute Necrotizing Pancreatitis with Imipenem. Journal of Hepato-BiliaryPancreatic Surgery 1993;176:480–3.

 

[4] Sainio V, Kemppainen E, Puolakkainen P, et al. Early antibiotic treatment in acute necrotizing pancreatitis. Lancet. 1995 Sep;346(8976):663-7.

 

[5] Rasslan R, Utiyama EM. Antibiótico em casos de pancreatite aguda: quando usar? In: Colégio Brasileiro de Cirurgiões; Bravo Neto GP, Victer FC, organizadores. PROACI Programa de Atualização em Cirurgia: Ciclo 14. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2018. p.117-32. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v.3).

 

[6] Dellinger EP, Tellado JM, Soto NE, et al. Prophylatic antibiotic treatment in patients with predicted severe acute pancreatitis: a randomized, double-blind, placebo-controlled study. Ann Surg. 2007 May;245(5):674-83.

[7] van Baal MC, Bollen TL, Bakker OJ, et al. The role of routine fine-needle aspiration in the diagnosis of infected necrotizing pancreatitis. Surgery. 2014 Mar;155(3):442-8.

[8] Forsmark CE, Vege SS, Wilcox CM. Acute pancreatitis. N Engl J Med. 2016 Nov;375(20):1972-81.

 

[9] Boxhoorn L, Voermans RP, Bouwense SA, et al. Acute pancreatitis. The Lancet. 2020 Sept;396(10252):726–34.

 

[10] Buchler M, Malfertheiner P, Friess H, et al. Human Pancreatic Tissue Concentration of Bactericidal Antibiotics. Gastroenterology 1992;103(6):1902–8.

 

[11] Reuken PA, Albig H, Rödel J, et al. Fungal infections in patients with infected pancreatic necrosis and pseudocysts: risk factors and outcome. Pancreas 2018;47:92-8

 

[12] Schwender BJ, Gordon SR, Gardner TB. Risk factors for the development of intra-abdominal fungal infections in acute pancreatitis. Pancreas 2015;44:805–7.

 

[13] Leppäniemi A, Tolonen M, Tarasconi A, et al. 2019 WSES guidelines for the management of severe acute pancreatitis. World J Emerg Surg 2019;14, 27.

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